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Um Outro Mundo Em Casa

O mundo, que corre sempre freneticamente, foi obrigado a proteger-se dentro de casa. E quando, por um segundo, imaginámos como seria parar de correr, a maratona cedo começou, fazendo-nos correr outra vez, só que agora, num espaço bem mais pequeno.

Num milésimo de segundo, a uma velocidade cibernética, começaram a aparecer as listas de tarefas para nos organizarmos dentro de casa, tabelas com horários e rotinas, power points de como ocupar o tempo, o que cozinhar,  como brincar com as crianças, fichas e mais fichas e mais fichas de trabalhos de casa, fazendo “parecer” que as crianças estão na escola. A razão para toda esta informação contínua, parece ser a de que “temos que ocupar as crianças”! Ou será que, somos nós, adultos, que “temos que nos ocupar”? Será que é um medo que é nosso? O de nos desocuparmos, nem que seja por um bocadinho. Será que somos nós, que perante a ameaça de um tempo que já é, e que vai continuar a ser diferente, achamos que a correria, já antes vivida, não pode, de maneira nenhuma, parar?

Tenho a sensação que, correr a maratona, dentro de casa, é bem difícil. E custa-me entender porque é que achamos que numa altura única, vivida por toda a humanidade, temos que continuar a agitação, que sabemos ser tão lesiva em tempos de “normalidade”. Porque que é que achamos que temos que impor um ritmo a todos, como se todos precisassem sempre das mesmas fórmulas? Porque não damos tempo aos pais, para poderem, verdadeiramente, processar o momento que estão a viver? Os pais também estão com medo! Têm as suas angústias, os seus trabalhos para manter, os seus pais e avós na preocupação e os seus filhos para segurar. E os filhos estão cansados, angustiados, confusos e com saudades dos amigos.

Não permitimos, também, o tempo necessário para que os professores se possam adaptar a esta realidade. Não tiveram tempo para parar, alguns trabalham agora mais horas do que as que trabalhariam se estivessem na escola, e a caixa de email já não tem capacidade para tantos emails das tanta fichas que se vêm “obrigados” a enviar. E, para além disso, muitos professores, também são pais. A escola, que não tem ainda previsões para o inicio do terceiro período, provavelmente vai precisar de ideias criativas e equilibradas para todos. É preciso ter em conta que os alunos não vão estar na escola, que não se vão lecionar as matérias todas. Parar parece-me essencial para repensar os passos seguintes.

É verdade que, enquanto Seres Humanos, quando apanhamos um susto, quando estamos perante uma ameaça, pomo-nos a correr! E talvez seja esta a razão que justifique tamanha correria e azáfama! Mas, na verdade, se nos mantivermos neste desassossego, corremos o risco de manter as nossas crianças em constante estado de alerta!

As crianças só vão sentir que “vai ficar tudo bem”, quando virem que os adultos estão fora de perigo. Quando virem que os pais abrandam a corrida, para uma passada mais natural. Na circunstância atual, as crianças não estão na escola, os pais não estão bem nos trabalhos. Na circunstância atual, o que cada família precisa, é o tempo e o espaço próprio de cada um.

Estes tempos podem trazer, apesar dos grandes desafios sentidos, oportunidades únicas. Desde logo, pode ser uma oportunidade para “darmos tempo ao tempo”. Pode também ser uma boa altura para alguns pais poderem estar, atentamente, com os filhos. O melhor fermento para fazer crescer uma criança, é o sentimento de que é amada e que está segura. A casa, o seu território mais seguro, pode significar, neste tempo, essa vivência de conforto.  Por isso, se a ocasião assim o exige, talvez possamos dar, para já, aos nossos filhos, qualquer coisa de diferente, que eles, certamente, nunca mais esquecerão.

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