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Como ajudar uma criança a crescer com os erros

Conhece alguém que nunca erre? A verdade é que eu também não e as crianças não são exceção. Ensinar uma criança, desde cedo, a saber superar e aprender com os seus erros é contribuir de forma decisiva para se tornar um adulto mais resiliente, maduro e responsável.

Falhamos mais vezes do que gostaríamos, ou os erros não fossem uma parte inevitável da experiência humana, e nem sempre é fácil reconhecer ou aceitar as consequências das nossas faltas. Mas se trabalharmos a resiliência de uma criança à luz dos erros que comete, podemos assim mostrar-lhe que o erro em si não é o mais importante, mas sim a forma como lida com essa dificuldade. Esta pode tornar-se uma aprendizagem profundamente revolucionária. 

Errar acarreta, muitas vezes, alguns sentimentos que são difíceis de encarar como a vergonha, o embaraço, o medo ou a tristeza. Muitas vezes também, estes sentimentos podem levar as crianças a comportamentos esquivos, o que vai dificultar ainda mais uma recuperação positiva e rápida da dificuldade que viveram recentemente. 

Eis algumas perguntas que orientam a criança neste processo de aprendizagem.

Pergunta 1O que é que aconteceu?

A primeira coisa a fazer é ficar a par de todos os factos. É mais difícil ajudar se não soubermos ao certo o que é que aconteceu, mesmo se às vezes for difícil perceber as circunstâncias todas, sobretudo com crianças muito pequenas.

O grande desafio é conseguir que as emoções não atropelem os factos concretos. É muito comum que as crianças tenham dificuldade em distinguir factos de emoções. Afinal, a linha que as separa é tantas vezes enevoada. 

Ao pedirmos a uma criança para, num primeiro momento, deixar de lado o que sente, não queremos que menospreze o impacto da situação, mas sim torná-la capaz de não se deixar esmagar pelos sentimentos. Isto permite-lhe analisar melhor o que acontece, sem que haja uma invasão emocional excessiva. Separar factos de emoções é uma capacidade essencial para a resolução de problemas.

Pergunta 2: Como é que te sentes?

Depois de estabelecida a diferença entre o que aconteceu e o que a criança sentiu, e ouvidos os factos concretos, é altura de abordar os sentimentos. Perceber o que está no coração da criança e como é que aquele erro a faz sentir. Vergonha, medo ou inquietação são muito comuns depois de uma dificuldade emocional, embora algumas crianças precisem ainda de libertar uma grande dose de raiva ou depreciação, antes de serem capazes de identificar as emoções principais.

As crianças mais pequenas têm mais dificuldade em identificar o que estão a sentir e este pode ser um ótimo momento para os ajudar a começar a dar nome ao que vai acontecendo dentro deles. Relacionar o que a criança sente com o que também acontece à mãe ou ao pai, é também uma ajuda preciosa para sossegar as emoções.

Pergunta 3: Há alguma coisa que possas fazer para melhorar o que aconteceu?

Nem sempre a resposta a esta pergunta pode ser positiva. A criança não pode desdizer o que já foi dito, consertar o copo que partiu ou retirar o murro que já deu e é importante que ela tenha consciência disso. Empaticamente, deve-se explicar que, embora percebamos que se sinta mal pelo que fez, é preciso saber aceitar as coisas como são e isso inclui naturalmente os resultados das nossas ações.

Alguns comportamentos têm consequências naturais — “Não estudaste o suficiente para o teste e por isso a nota que tiveste é mais baixa do que aquilo que gostarias” —, há outros comportamentos sobre os quais nem sempre temos controlo. São uma espécie de desastre natural, como por exemplo partir um copo porque sem querer cai ao chão, erros que fazem parte da infância e nos quais somos capazes de reconhecer um comportamento inocente. Em ambos os casos, é essencial olharmos para os seus atos, conseguindo transmitir benevolência a bondade à criança, atitude que vai permitir que aprendam também a perdoar os outros e a reconciliarem-se com a situação em si, acalmando os seus sentimentos. A reconciliação connosco ou com os outros é sinal de que um comportamento não define o nosso caráter e que há sempre espaço para aprender e fazer diferente noutras situações.

Pergunta 4: O que é que aprendeste com o que aconteceu?

Pode demorar algumas horas, dias ou até semanas até que uma nova perspetiva nasça de um comportamento errado, sobretudo se a compreensão ainda é toldada por sentimentos intensos. 

As crianças mais pequenas podem ter dificuldade em perceber as lições a tirar, por isso, contar uma história de algo semelhante que o pai ou a mãe tenham aprendido em crianças é uma ajuda inestimável. Até pode parecer que eles não retêm nada do que lhes é dito, mas é surpreendente a quantidade de vezes em que voltam a falar sobre isso noutras situações à procura de validação.

Quanto às lições aprendidas, é importante não ficar apenas pelo “Aprendi a não jogar à bola dentro de casa”, mas incentivar ao porque ou porquê que devem vir depois: “Aprendi a não jogar à bola dentro de casa porque parti um prato e agora tenho de usar o dinheiro do meu mealheiro para o arranjar”. Ajudar uma criança a analisar o seu comportamento do princípio ao fim e conseguir que a conclusão saia da boca dela em vez da nossa, pode ser verdadeiramente transformador.

Pergunta 5:  O que farias diferente da próxima vez?

Todo o erro envolve uma reconciliação e um plano de ação concreto que permita lidar com situações semelhantes de uma próxima vez. Assim, a criança assume o controle da situação porque se responsabiliza pela sua atitude, em vez de se focar na vergonha por ter errado. A sua confiança sai fortalecida e surge uma mentalidade construtiva que pode simplesmente ajudá-la a não cometer o mesmo erro novamente.

Pergunta 6: E agora, como é que te estás a sentir?

Depois de resolvidos os factos, expostos os sentimentos, retiradas as lições e de elaborado um plano de ação para situações futuras, é altura de lembrar a criança de que amanhã é um novo dia. Talvez interiormente ainda não esteja tudo sereno, mas cada dia vai ser melhor. No final do dia, este humano em ponto pequeno é exatamente isso: humano.

Ao conversarmos com uma criança que errou, mostramos-lhe que aceitar a sua fragilidade só a torna mais forte, porque lhe oferece novas ferramentas para lidar com outras contrariedades de forma mais rápida e positiva. Afinal, o importante não é que os filhos tenham um comportamento irrepreensível, ou não sabemos todos por experiência própria que isso não é possível, mas que percebam a lição a tirar de cada situação, tornando-os, por certo, especialistas em resolver pequenos problemas com resiliência.

 

 

 

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